"Ele não sabe porque não escuta, não fala". Essa é uma realidade entre indígenas surdos da microrregião de Parintins que foram objeto de estudo do pesquisador Marlon Jorge para a elaboração de um minidicionário com elementos da própria cultura para a comunidade. A publicação é uma das apostas e alternativas viáveis para inclusão de indígenas surdos no estado.
Em maio de 2015, Marlon que também é surdo, defendeu um dos trabalhos mais relevantes para a comunidade surda amazonense: a proposta de criação de um minidicionário para indígenas da etnia Sateré Mawé, intitulado "Minidicionário Trilingue Sateré Mawé em Libras e Língua Portuguesa".
Há anos a comunidade surda luta por mais espaço na sociedade e inclusão social e educacional. O desafio está presente principalmente no ensino nas escolas tanto públicas quanto privadas.
Outra dificuldade encontrada a partir de pesquisa e como resultado da dissertação de mestrado do aluno Marlon Jorge, do Programa de Pós-Graduação em Letras é a elaboração de atividades específicas para o grupo.
A dissertação de mestrado foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Letras e Artes (PPGLA) da UEA, após dois anos de pesquisa. Inicialmente a proposta visa atingir os indígenas da etnia Sateré Mawé que estão localizados no município de Parintins e adjacências.
A pesquisa envolve a discussão sobre os sinais criados pela comunidade surda indígena. Nas comunidades, eles já criaram, entre eles, alguns sinais, por exemplo, para "dormir", "casa", "rede" e etc, afirmou.
O estudo foi realizado na microrregião de Parintins, englobando sete municípios onde Parintins é o Polo. A escolha inicial pela região se deu na necessidade de estudar primeiramente os hábitos e as formas de comunicação dos indígenas surdos Sateré Mawé.
"Em todo o Brasil, o surdo é bilíngue, porque domina a língua brasileira e a língua de sinais", lembrou o pesquisador, mas os indígenas nem a isso tinham acesso. Marlon lembra que para realizar a pesquisa, foi necessário conseguir autorização e informação sobre como chegar às comunidades e a logística foi um grande obstáculo.
"Após o levantamento, percebemos que havia um grupo de indígenas surdos e vimos que havia esse movimento entre os indígenas surdos Sateré Mawé e começamos a fazer o mapeamento e controle das atividades deles para elaborar a pesquisa", afirmou. Na opinião do pesquisador, os indígenas precisam conhecer a língua de sinais para que eles tenham acesso a todas as formas de comunicação.
"A língua de sinais é uma área que se precisa conhecer e saber usar. Para que ele tenha acesso a todas as formas de comunicação assim, por exemplo, como comida, eles têm sinais específicos da linguagem deles", destacou. Além de Parintins, a pesquisa foi feita nos municípios de Urucará, São Sebastião do Uatumã, Barreirinha, Nhamundá, Maués, Boa Vista do Ramos e comunidades indígenas no entorno das cidades.
Cultura
Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das "almas" das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos de povo surdo.
No caso dos indígenas do Amazonas, essa é uma preocupação. O sistema educacional nesses municípios não possui estrutura para atender os indígenas surdos. "Há indígenas em certas comunidades que não tem muito material para uso em sala de aula. Nesse mapeamento, localizamos 10 indígenas surdos, de diferentes áreas, tanto da aldeia como da área urbana. O dicionário auxiliará tanto os surdos como os professores no ensino e aprendizagem", alegou.
Minidicionário
O manual servirá para qualquer indígena seja na área urbana, seja na aldeia. "Linguisticamente, nós temos que comunicar isso, somos indígenas surdos". O minidicionário é trilíngue porque apresenta três línguas: Sateré Mawé, Português e Libras. "O material é simplesmente o começo", completou.
O autor do estudo prevê a elaboração de mais pesquisas sobre indígenas na comunidade surda. "Precisamos de novos pesquisadores, aceitar a área de pesquisa para estimular a comunidade a aprender a língua de sinais. Quando cheguei em uma escola na cidade de Barreirinha, por exemplo, falei que precisava do material para trabalhar com um aluno indígena que estava isolado. Vi que ele ficava isolado na sala fazendo desenhos enquanto poderia estar aprendendo", disse.
"Esse material que eu vou produzir vai ter futuramente uma adaptação. Para mim é muito pouco. Passei quase oito meses em campo pesquisando e senti que a pesquisa de mapeamento não termina, precisa continuar. Temos que ver a questão da crença, por exemplo, para ver como o sinal foi criado. Futuramente, eu penso que o dicionário vai ter alguma adaptação. Devemos ensinar que cada um deve respeito ao outro", salientou.
A ideia também é fazer um minidicionário para outras etnias como Yanomami e Munduruku. "Eu fiz essa pesquisa com amor, gostei muito. Com o tempo, pretendo expandir o estudo e alcançar mais etnias, além de apresentar mais artigos e divulgar as pesquisas no mundo científico para possibilitar mais conhecimento em benefício da comunidade surda amazonense", afirmou.
Segundo o orientador da dissertação de mestrado, Walteir Martins, a pesquisa mostra a questão da ¿língua caseira¿ entre a comunidade surda Sateré Mawé. "A Libra é uma língua oficial porque é bem estruturada, mas o que foi estudado foi a língua caseira utilizada na comunidade. Foram identificados as necessidades e vimos que a comunidade não era sociável justamente por essa dificuldade de comunicação", disse.
"Além da dissertação, ele também fez o produto e vamos nos esforçar para levar à comunidade com custo zero para promover a interação social". A ideia, segundo o professor, pode ser estendida a comunidades no Alto Rio Negro, com a criação de outros minidicionários, por exemplo, tendo em vista a existência de mais de 30 línguas diferentes faladas no local.
A coordenadora de um Grupo de Trabalho sobre Educação Indígena da UEA, Joelma Monteiro, afirma que a alternativa é um avanço nas políticas públicas para indígenas. "existe o preconceito com as crianças indígenas e ainda mais com as crianças surdas. A ideia da criação do minidicionário é uma inovação para novas metodologias de ensino", disse.
Educação Indígena na UEA
Joelma Carvalho afirmou que o Grupo de Trabalho ligado a Pró-Reitoria de Interiorização (Proint) da UEA discute a questão da inclusão dos indígenas no Ensino Superior. O grupo reúne cerca de 50 indígenas egressos e outros que ingressaram recentemente na Universidade por meio do Vestibular.
"O grupo já realizou duas reuniões este ano com diálogos sobre o sistema de ingresso na Universidade e sobre a permanência no Ensino Superior para evitar evasão. Discutimos pontos referentes, a editais de fomento à pesquisa, estrutura, ensino, apoio acadêmico e outros", concluiu.
Fonte: http://www.acritica.com/channels/governo/news/minidicionario-satere-mawe-em-libras-e-aposta-para-inclusao-de-indigenas-surdos