A cantora amazonense Karine Aguiar mistura o batuque e a poesia amazônica (Fotos: Ygor Saunier) |
Há cinco meses, a cantora amazonense Karine Aguiar, 27 anos, deu um salto extraordinário em sua carreira. Saiu de Manaus direto para a França, onde iniciou uma temporada na capital parisiense, cantando em português canções de seu único disco, “Arraial do Mundo”, lançado em 2012.
Ao mesmo tempo, conseguiu emplacar um single de seu novo álbum, a música “Cupido” (gravada em Paris), em uma rádio de Los Angeles, Estados Unidos. Seu trabalho foi reconhecido em matéria do jornal Brazilian Times, distribuído em Massachusetts, onde Karine Aguiar apareceu na capa da edição do dia 6 deste mês de agosto. (Para ouvir música “Cupido” clique aqui)
A temporada europeia começou quando Karine Aguiar se apresentou em um evento da Unesco, em Paris, em março passado. Ela também chamou atenção da TV portuguesa RTP, onde ela fez uma apresentação. Ao mesmo tempo, a cantora amazonense levou o prêmio de melhor CD de música popular brasileira concedida pelo portal Brasil.Fr dedicado exclusivamente a informações sobre o Brasil (no idioma francês).
No início deste mês ela retornou ao Amazonas para cumprir agenda de shows no Estado e tirou algumas semanas para ir a Maués, cidade natal de seu marido e companheiro de trabalho, o baterista/percussionista amazonense Ygor Saunier, descansar e fazer novas pesquisas musicais.
Natural de Manaus, Karine Aguiar estudou música no Liceu de Artes e Ofícios Claudio Santoro. Seu disco de estreia, “Arraial do Mundo”, foi gravado em Nova York, a convite do pianista alemão Vana Gierig. O lançamento aconteceu em 2012, no Teatro Amazonas, junto com o contrabaixista de jazz norte-americano Ron Carter.
De passagem pelo Amazonas, Karine Aguiar concedeu uma entrevista à agência Amazônia Real, antes de seu retorno a Europa, previsto para ocorrer no próximo mês. Leia a entrevista:
Amazônia Real – Como começou sua carreira musical em Manaus?
Karine Aguiar – Comecei ainda adolescente, em bandas e corais das escolas onde estudei. Tive minha formação artística básica voltada para o canto lírico toda no Liceu de Artes e Ofícios Cláudio Santoro com a maestrina bielo-russa Natália Sakouro, o que me possibilitou participar de montagens de óperas e diversos concertos no Teatro Amazonas desde 2007. Por conta disso, acabei trabalhando como solista em importantes orquestras de Manaus como a Orquestra de Violões do Amazonas (OVAM), de 2011 até o início de 2014 antes de me mudar para a França.
AR – Como se deu o salto para a temporada internacional?
Karina Aguiar - Nossa empreitada internacional iniciou em 2012 com a gravação do primeiro disco “Arraial do Mundo”, em Nova Iorque, com a produção do pianista Vana Gierig e a participação de músicos norte-americanos e do Ygor Saunier (baterista e estudioso dos ritmos amazônicos), único músico amazonense além de mim neste projeto. O disco foi lançado no mesmo ano no Festival Amazonas Jazz, no Teatro Amazonas e, no início de 2014, foi premiado pelo Portail du Brésil em France (Portal do Brasil na França) como o Melhor Disco de MPB do ano. Além do prêmio, recebemos também convite para apresentarmos os ritmos amazônicos na sede da Unesco, em Paris.
AR – Por que Paris foi a cidade europeia escolhida? Algum convite especial? Uma escolha pessoal?
Karine Aguiar - Tudo foi conspirando para que fizéssemos maior parte da temporada europeia na França e, por isso, nosso manager Reginaldo Lima, enxergou que seria impossível não fazer de Paris nossa base para o momento que estamos vivendo.
AR – Há quanto tempo você está em Paris e como tem sido a receptividade do público?
Karine Aguiar - Chegamos em Paris em março de 2014 e ficamos por quase quatro meses. Como já tínhamos compromissos no Brasil agendados há mais de um ano para o período da Copa do Mundo, precisamos vir ao mundial para cumpri-los. A receptividade do público francês conosco de um modo geral tem sido excelente. Eles amam a Amazônia.
AR – Quantos shows você realiza por semana/mês?
Karine Aguiar - Nosso manager Reginaldo Lima sempre analisa com muito cuidado os perfis dos lugares e dos eventos onde nos apresentamos. Nosso lema é sempre prezar pela qualidade e, com isso, vem o custo-benefício em cima de cada atuação que fazemos. Em algumas situações, torna-se muito mais vantajoso fazermos um show/concerto por semana com uma boa visibilidade do que se fazerem sete shows por semana cada um com pouca visibilidade e um custo-benefício irrisório. Tudo é pensado com muita cautela entre a nossa equipe de Paris para que o trabalho continue germinando bons frutos a cada dia.
AR – Qual o perfil do público dos seus shows na França?
Karine Aguiar – Isso também tende a ser relativo. Depende muito de cada evento onde nos apresentamos. No entanto, a maioria do público é sempre formada por franceses, já que eles possuem uma grande curiosidade pela música da Amazônia.
AR – Você pretende se estabelecer na França?
Karine Aguiar - Tenho gostado e me identificado muito com Paris, especialmente com o tratamento carinhoso que os franceses têm dado à nossa música. Sobre se estabelecer ou não definitivamente na França, é algo que ficará a cargo do meu manager Reginaldo Lima. Enquanto isso for o melhor para nosso trabalho, Paris continuará sendo nossa base.
AR – As suas interpretações são apenas em português? Pretende interpretar em outros idiomas?
Karine Aguiar - Não. Quem tiver a oportunidade de ouvir nosso disco “Arraial do Mundo”, que está disponível para audição na íntegra no YouTube, poderá perceber que gravei também duas músicas em inglês. Adoro também aprender novos idiomas e sempre que tiver oportunidade, gravarei em outros idiomas que não o português.
AR – Como sua música foi parar em uma rádio de Los Angeles e como tem sido a receptividade de seu trabalho nos Estados Unidos também? Pretende se apresentar lá?
Karine Aguiar – Nosso escritório em Paris tem feito um excelente trabalho de promoção e divulgação da nossa música nos meios de comunicação. O fato de nossa música estar chegando a outros continentes também se deve ao trabalho excelente de nossa assessora de imprensa Cynthia Blink, que está constantemente em contato com jornais e rádios do mundo inteiro. Nosso manager Reginaldo Lima tem coordenado esse trabalho desde Paris de forma organizada e continuada e, por isso é possível se obter esses resultados. No ano passado fizemos um lançamento do “Arraial do Mundo” em Nova Iorque e o saldo foi bastante positivo. Cupido (M.Godoy/R.Marques), nossa nova música de trabalho gravada em Paris, atingiu o 1° lugar em uma rádio em Los Angeles há poucos dias. Estamos pouco a pouco vendo os frutos desse trabalho que começou em 2012 em Nova Iorque florescer. Já temos convite para nos apresentarmos na Pensilvânia em abril de 2015, o que abrirá um ciclo de shows também em solo norte-americano para o próximo ano.
AR – Seu trabalho é descrito como “um jazz feito com instrumentos que tem elementos amazônicos com instrumentos tradicionais” do gênero, no que foi denominado de jungle jazz. Como você descreve esses “elementos amazônicos”?
Karine Aguiar - Primeiramente, gostaria de deixar claro que não fomos nós que nos autodenominamosjungle jazz ou inventamos essa terminologia e que muito menos estamos aqui para tentar “reinventar a roda”. Essa denominação jungle jazz surgiu no final da década de 1950, quando o músico/arranjador Les Baxter lançou o disco intitulado Jungle Jazz, no qual ele se inspirou provavelmente na Amazônia para compor a trilha (a prova é que a capa do disco é um indígena, com uma vegetação de fundo bastante densa e semelhante à nossa floresta amazônica). Posteriormente, o mesmo compositor lançou um outro disco intitulado com o mesmo nome, porém, baseado na sonoridade da selva africana. Essa terminologia jungle jazz chegou ao nosso som ainda em Nova Iorque, quando estávamos gravando o “Arraial do Mundo”, através dos músicos norte-americanos que trabalharam conosco. Eles ficaram bastante empolgados com os tambores e outros instrumentos de percussão amazônicos que o Ygor Saunier levou para a gravação do disco e brincavam com essa história de termos vindo da “selva” (jungle em inglês) para gravar nossa música nos Estados Unidos e fundi-la ao Jazz. Daí que se começou a história do jungle jazz.
AR – Sua música tem influência de outros sons da Amazônia?
Karine Aguiar – Utilizamos bastante percussão amazônica em nossa sonoridade, para ilustrar ainda melhor a poesia nas letras dos compositores regionais que regravamos com nossos próprios arranjos. Exploramos também ritmos amazônicos ainda pouco conhecidos como o Gambá, do município de Maués, na faixa Dia de Festa, de autoria do Zeca Torres, no “Arraial do Mundo” e, isso só é possível graças aos estudos do Ygor Saunier, único músico amazonense que tem me acompanhado fora do Brasil desde a gravação do Arraial até a mudança para a Europa. Exploramos também ritmos de outros estados da Amazônia como o Marabaixo, do Amapá, o Carimbó e o Lundu Marajoara, do Pará etc.
AR – Quais suas referências musicais?
Karine Aguiar - Procuro escutar de tudo um pouco. Minhas referências musicais vão desde o heavy metal, passam pela música clássica e pelo jazz e finalmente chegam até a essência do som que escolhi fazer, que tem suas bases fortemente fincadas na música regional amazônica. Tudo aquilo que sinto me acrescentar tecnicamente de alguma forma, vou procurando agregar. Para citar nomes, tenho Elis Regina como uma das minhas maiores inspirações pois, na minha opinião, ela é a maior intérprete que a música brasileira já viu. Também admiro muito as grandes Divas do Jazz, como Ella Fitzgerald, sem contar outras cantoras europeias que escuto diariamente como Dulce Pontes, Kate Bush, Tina Charles e por aí vai.
AR – Como está sendo seu retorno ao Amazonas? Você está em Maués buscando inspiração?
Karine Aguiar - O retorno ao Amazonas tem sido maravilhoso. Tenho recebido muito carinho dos meus conterrâneos através da nossa fan page no Facebook, no Instagram e no Twitter. Ficaremos por aqui até o início de setembro fazendo shows, gravando material para lançar na internet para os nossos fãs de outros lugares do mundo conhecerem um pouco melhor nossa Amazônia. Maués é um dos lugares mais bonitos que já vi no mundo e, é uma cidade que sempre nos traz boas energias. Gostamos de vir a Maués para descansar, compor novas canções e trocar ideias com os grupos folclóricos daqui, aprender mais sobre a manifestação do Gambá e sobre a cultura Sateré-Mawé. Vir a Maués é viver a Amazônia na sua forma mais pura e a música que fazemos precisa muito disso.
AR – Quais são as próximas etapas de seu trabalho?
Karine Aguiar - Retornaremos à Europa no começo de setembro para mais shows e gravações conforme planejamento do nosso escritório em Paris, desta vez faremos uma passagem pela Espanha também. Para quem quiser acompanhar nossa agenda e nossos próximos passos, é só acessar nossa página no Facebook: www.facebook.com/karineaguiarmusic
AR – O fato de ser da Amazônia ajudou com que as portas se abrissem para você em outros países?
Karine Aguiar - Ter nascido no Amazonas é, talvez, o nosso maior fator de sorte, porque isso nos faz realmente diferentes e especiais em muitas situações. O fato de misturarmos o batuque e a poesia amazônica com a linguagem universal do Jazz facilita um pouco a abertura dessas portas no mercado internacional, porque torna mais compreensível aquela música que, pelo fato de ser essencialmente folclórica, talvez pudesse ser compreendida de forma mais lenta ou mesmo incompreendida. A experiência de poder cantar essa Amazônia com um sotaque mais jazzístico em determinadas situações tem sido cada vez mais interessante e enriquecedora para nós, porque nos faz entender a cada dia que podemos dialogar com o resto do mundo sem perdermos nossa essência. Sinceramente, eu não poderia classificar a música que fazemos, por enquanto, prefiro concordar com nossos amigos norte-americanos e tentar chamar o que estamos fazendo de jungle jazz, já que nossa música mesmo vindo das entranhas da floresta amazônica, dialoga com a linguagem jazzística em alguns momentos.
Fonte: amazoniareal.com.br