O problema da falta de médicos no interior do Amazonas


Hoje, se um morador do município de Fonte Boa, a 676 quilômetros de Manaus, precisar de socorro médico, é provável que seja atendido por um estrangeiro, sem registro de trabalho no país. Apesar de o município possuir pelo menos dois médicos brasileiros contratados legalmente, são profissionais de países vizinhos os responsáveis por cuidar da saúde da população.
“Se não fossem esses médicos de fora, ai de nós! Os médicos brasileiros contratados pelo governo do estado moram em Manaus e quase não os vemos aqui”, desabafou o prefeito José Suediney Araújo, o Sué, que afirmou já ter feito denúncia sobre o caso ao Ministério Público Estadual.
Ele diz estar ciente da ilegalidade do atendimento, mas justifica que a Prefeitura não pode pagar um salário superior a R$ 8 mil para profissionais trabalharem em três unidades básicas de saúde e em um hospital de grande porte existentes em Fonte Boa. Segundo o prefeito, a estrutura de atendimento da rede hospitalar do município é boa e atende às necessidades básicas da população.
“Nossa estrutura é melhor que muitos hospitais de Manaus, mas para virem para cá, os médicos não aceitam menos que R$ 30 mil e o orçamento que temos não dá para cobrir esse salário”, disse.
A realidade de Fonte Boa não se restringe a um município e, muito menos, a um estado brasileiro. Atualmente, segundo o Ministério da Saúde, dois terços dos 288 mil médicos existentes no Brasil estão nas regiões Sul e Sudeste. Só 13% deles clinicam em municípios com menos de 50 mil habitantes, onde vivem 64 milhões de pessoas. Em 397 municípios do país não há um único médico.
Em busca de uma resposta imediata para esse problema, o governo federal estuda proposta de contratar temporariamente médicos estrangeiros para atuar no país. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, defendeu que atrair médicos estrangeiros para o Brasil não pode ser um tabu.
 “Foi esse nó crítico que levou prefeitos de todo o país a pressionarem o governo federal por medidas para levar mais médicos para perto da população. Para enfrentar essa realidade, os ministérios da Saúde e da Educação estão analisando modelos exitosos adotados em outros países com dificuldades semelhantes”, escreveu Padilha.
Contratação temporária
Para o senador Eduardo Braga (PMDB/AM), a iniciativa do governo é uma ação acertada, especialmente para socorrer populações que vivem em áreas distantes dos grandes centros, como é o caso da maioria dos municípios do Amazonas e dos estados da região Norte. De acordo com ele, a média brasileira de médicos por 1.000 habitantes é de 1,8, em regiões mais pobres, como o Norte, esse dado é de 1,01.
“Em pleno século 21, quando o Brasil já discute nanotecnologia, é inimaginável que um cidadão brasileiro, que paga seus impostos, que preserva e conserva um dos maiores patrimônios da nossa nação, que enfrenta inúmeras intempéries na Amazônia, não tenha direito a um médico”, disse.
Nas discussões sobre o assunto em Brasília, o senador defende que a contratação de estrangeiros seja temporária e que o registro dado ao médico estrangeiro para trabalhar no país tenha lugar específico.
“Não é justo achar que nós devemos escancarar a entrada de médicos estrangeiros no Brasil. Já disse isso à nossa presidenta, de que esses médicos deveriam vir com um registro provisório e geograficamente definido, para que ele não seja contratado para trabalhar em uma localidade e acabar indo para outra”, defendeu.
A contratação de estrangeiros para trabalharem no Brasil em áreas onde não existem médicos é uma proposta ainda em estudo pelo governo federal. Segundo o ministro Alexandre Padilha, alguns pontos já estão definidos.
 “Não haverá validação automática de diploma; não admitiremos profissionais vindos de países com menos médicos que o Brasil; e só atrairemos profissionais formados em instituições de ensino autorizadas e reconhecidas em seus países de origem”, informou.
Dificuldades para contratação de médicos brasileiros
A dificuldade em se contratar médicos para pequenos municípios, relatada pelo prefeito de Fonte Boa, é compartilhada pelo prefeito de Envira, Ivon Rates da Silva. Ele informa que o município possui apenas um médico, clínico geral com registro no Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CRM/AM) e, mesmo com edital de contratação divulgado em todo Brasil, não consegue empregar mais profissionais que possam atender em um hospital e mais três unidades básicas de saúde.
“Oferecemos um salário de R$ 16 mil e, mesmo assim, não encontramos ninguém disposto a vir para o município. Por conta disso, não podemos participar de programas como Médico da Família, do governo federal, por não termos profissionais suficientes para fazer a atenção básica”, explicou, ressaltando ser a favor da contratação de profissionais estrangeiros.
Governador do Amazonas no período de 2003 a 2010, o senador Eduardo Braga confirmou a dificuldade relatada pelos prefeitos. No Senado, ele explicou que durante sua gestão foram construídas 25 Unidades Hospitalares, uma Unidade Básica de Saúde e um Laboratório de Fronteiras. Essas obras resultaram em 996 novos leitos hospitalares apenas para o interior do Amazonas.
Ele também disse que nesse período, entre outras ações, o estado adquiriu equipamentos médicos e implantou a telemedicina de diagnóstico à distância na Universidade Estadual do Amazonas (UEA), mas faltam recursos humanos. Para tentar resolver o problema, foi implantada em seu governo a Política de Concessão de Campos na Rede Assistencial de Saúde (Susam), com 2.679 vagas para o ensino superior e 1.519, para o ensino médio técnico.
Foram dois processos seletivos simplificados que, entre os anos de 2003 e 2010, contratou 225 médicos para a capital e o interior do Amazonas. O governo do estado, naquele período, investia 21,5% dos recursos do Orçamento em saúde, porcentagem superior à prevista na Emenda Constitucional nº 29, que exige que estados invistam, pelo menos, 12%.
 “Mesmo assim, hoje, no interior do AM os principais médicos que atendem não são brasileiros, não têm CRM. São bolivianos, colombianos ou peruanos que exercem a medicina de forma ilegal dentro do território brasileiro, com a conivência do poder público, porque o pior médico de todos é a ausência de médicos”, lamentou o senador.
Compra de equipamentos hospitalares
Para garantir o atendimento básico nos hospitais do interior e da capital, em junho do ano passado, o senador Eduardo Braga conseguiu a liberação de R$ 6 milhões, por meio de emenda parlamentar, do Ministério da Saúde, para a compra de 777 equipamentos e materiais hospitalares para o estado. Além da capital, foram beneficiados hospitais e unidades de saúde dos municípios de Amaturá, com R$ 286.900; Beruri, com R$ 258 mil; Caapiranga, que recebeu R$ 286.870; Itamarati, com R$ 568.400; Novo Airão, que foi beneficiado com R$ 729.230; Tefé, com R$ 184.500; Tonantins, com R$ 223.500; e Urucurituba, que recebeu R$ 196.600. Esses valores foram repassados pelo Ministério à Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas – responsável pela compra dos equipamentos.
Os recursos eram para aquisição de microscópios laboratoriais, desfibriladores, lavadoras de roupas hospitalares, grupos geradores de energia elétrica, camas hospitalares, aparelhos de Raio X, computadores, laringoscópios, mesas cirúrgicas, cadeiras de rodas, entre outros, considerados essenciais para a realização de atendimento médico nas unidades de saúde desses municípios.
“Conheço a realidade de todos os municípios do Amazonas, estou ciente da importância de se garantir um atendimento médico humanizado, de qualidade, à população e sei que se não equiparmos adequadamente os hospitais do interior e da capital, isso não será possível”, disse Eduardo Braga à época.
Assessoria de Imprensa