A Shangri-lá do guaraná

Segundo o IBGE, cerca de 1% da população de Maués tem mais de 80 anos, o dobro da média brasileira
Em meio à Floresta Amazônica, cortada por diversos rios, está Maués. A cidade amazonense com pouco mais de 54 mil habitantes é conhecida como a “terra do guaraná”, mas também podia ser chamada de Shangri-lá, lugar narrado em filmes e livros como uma espécie de paraíso isolado da civilização, em meio à natureza exuberante, onde a longevidade é quase uma regra.
A dificuldade de chegar a Maués é proporcional aos encantos que oferece. Oficialmente, a cidade é distante 268 quilômetros de Manaus, o que não quer dizer muita coisa dentro da perspectiva amazônica, onde rios se tornam estradas e a distância entre os municípios é medida em dias. Sem qualquer rodovia até Maués, os barcos acabam sendo a principal opção de viagem, fazendo percursos que chegam a 24 horas, dependendo da embarcação e da época do ano.
Pontos Turísticos
Maués também foi palco de eventos históricos, como os sangrentos conflitos da Cabanagem, revolta social ocorrida entre 1835 e 1840. O obelisco que existe até hoje na cidade foi o local onde 880 cabanos que ainda resistiam às forças do governo prestaram fidelidade à Constituição, como forma de encerrar os conflitos.
Além de cultura, Maués é rica em belezas naturais. O turista pode se refrescar do forte calor nas praias formadas ao longo das águas escuras do Rio Maués-Açu. Os cursos d’água da região também formam algumas cachoeiras como Parauari e Amana, onde há uma gruta com dez metros de largura por três metros de altura. O município é cercado por ilhas, que podem ser acessadas por barcos fretados em Maués. A Ilha de Vera Cruz, inclusive, abriga sítios arqueológicos.
Como se faz o guaraná
A Ambev mantém em Maués a estação experimental Fazenda Santa Helena, considerado o maior banco genético de guaraná do mundo, além de uma fábrica de extrato do guaraná, que desde 1962 recebe todas as sementes torradas dos produtores rurais da região. O produto é encaminhado em embarcações para a fábrica da Arosuco Aromas, em Manaus, responsável pela produção dos concentrados do Guaraná Antárctica e de outras bebidas da companhia. A fórmula do guaraná é mantida em segredo por apenas duas pessoas, chamadas guardiões e suas identidades também não são reveladas. Os concentrados sólido e líquido são repassados para as fábricas da companhia em várias regiões do Brasil, além de Portugal e Japão.
Essencial
O que você precisa saber para planejar a sua viagem
Como chegar
- Os voos entre Curitiba e Manaus são oferecidos pelas companhias TAM (a partir de R$ 950), Gol (a partir de R$ 1,4 mil) e Azul (a partir de R$ 1,6 mil).
- O trecho entre Manaus e Maués é feito diariamente pela Amazonaves (exceto nos finais de semana), com voos regulares partindo da capital amazonense às 6h e 7 horas, com retorno às 9h30 e 15h30. A passagem custa R$ 560 ida e volta e a viagem dura cerca de 45 minutos. Informações pelo telefone (92) 3654-5555. Outras empresas também oferecem aviões para serem fretados
- De barco, há opções diárias de saídas a partir do Porto de Manaus, com preços que chegam a R$ 70 para um percurso, dependendo da embarcação. A viagem dura cerca de 20 horas. Há também barcos de luxo que podem ser contratados para fazer o trecho.
- Outra opção é o transporte misto. O viajante embarca em um ônibus na Rodoviária de Manaus e viaja cerca de quatro horas até Itacoatiara, de onde segue por mais cinco horas em uma lancha rápida (chamada de jato) até Maués. O pacote rodo-fluvial custa R$ 90.
Onde ficar
- Miramar Hotel. Largo Marechal Deodoro, 351. Diárias a partir de R$ 70 para uma pessoa e R$ 120 para duas (com café da manhã). Reservas: (92) 3542-1309
- Pousada Waikiru. Avenida Pereira Barreto, 635. Diárias a partir de R$ 120 para quarto duplo e R$ 170 para quarto quádruplo. A estadia para uma pessoa no quarto duplo é de R$ 85, com café da manhã. Reservas: (92) 8152-3974
Incomum aos olhos de muitos “sulistas”, o caminho é repleto de surpresas, como cruzar a monumental Ponte Rio Negro, em Manaus, considerada a segunda maior do gênero no mundo (com 3,5 quilômetros de extensão e 162 metros de altura), flagrar os botos que acompanham os barcos e navegar ao lado de áreas de mata fechada, criações de gado e dezenas de vilarejos.
As margens dão contorno a um caminho repleto de contrastes, que vão além do encontro entre as águas barrentas do Rio Paraná do Uriará e a massa escura doMaués-Açu. Na Amazônia, a grandiosidade da natureza contracena com a simplicidade das palafitas e dos ribeirinhos que nelas moram.
Durante o período de seca, os rios recuam vários metros, revelando belezas que ficam submersas na maior parte do ano. Basta setembro chegar para que paredões de pedra se “levantem”, ao lado de igapós, cachoeiras e largas praias de areia branca, como as da orla de Maués.
A área urbana de Maués é pequena, com construções simples e antigas, que chegam a datar do século 19. No entanto, a cidade dispõe de uma boa infraestrutura, com calçadão, bares, hotéis e pousadas. A maior parte dos moradores tem baixa estatura, pele morena e sabe como acolher um “forasteiro”. Costumam falar mansamente, tal como o ritmo do lugar, que só tem a tranquilidade quebrada pelo vai-e-vem dos barcos, pelos festivais realizados ao longo do ano e pelos “roncos” das várias motocicletas.
Celebração ao guaraná
Os moradores de Maués vivem do pequeno comércio, da agricultura de subsistência e principalmente da produção do guaraná, pilar da economia local. Planta típica da região, é cultivada desde o século 16 pelos Saterê-Mawé, primeiros habitantes dessa região e que ainda mantêm forte presença na população local. Atualmente, o município conta com cerca de 1,5 mil produtores, responsáveis por 60% da produção comercial do guaraná no mundo. Boa parte é destinada àAmbev, gigante do mercado de bebidas.
Para celebrar a colheita do fruto, que geralmente ocorre entre os meses de novembro e dezembro, os moradores promovem há mais de três décadas a Festa do Guaraná, que atrai milhares de pessoas da região. Durante três dias, a cidade recebe exposições, feiras gastronômicas e de artesanato, shows com músicos e DJs locais e de renome nacional, além de espetáculos de teatro e dança, que exploram o rico folclore criado em torno dos mitos indígenas.
Um dos pontos altos do evento é a escolha da Rainha do Guaraná, onde jovens de várias partes do município se apresentam com trajes típicos, fazendo referência ao fruto. As fantasias feitas por artistas locais são belíssimas e apresentam surpreendentes evoluções.
Terra da longevidade
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 1% da população de Maués tem mais de 80 anos, o dobro da média brasileira. Para o geriatra Euler Esteves Ribeiro, autor de um estudo sobre o idoso da floresta, fatores como o isolamento da vida urbana, a fuga do estresse, a realização de atividades físicas diárias e a alimentação saudável são essenciais para determinar a longa vida dos maueenses. 


Na pesquisa que deu origem a um livro, foram entrevistadas 1,8 mil pessoas de 174 comunidades. Ribeiro constatou que a base alimentar da população local é composta por peixes, derivados de mandioca e frutos, como o guaraná, alimentos considerados ricos em vitaminas e proteínas. “Foi comprovado cientificamente que o guaraná é anticancerígeno, evita a obesidade e o diabete, mantém a memória, a libido e a ereção no sexo masculino”, explicou Ribeiro, que também é professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Um dos maiores exemplos de longevidade dos nativos foi João Rocha, “guaranazeiro” que faleceu há poucos meses, aos 102 anos. Ele dizia que o segredo de sua saúde estava no guaraná. Assim como ele, muitos ribeirinhos costumam ralar a fruta e dissolvê-la na água, produzindo uma bebida amarga, mas vista como um “elixir”.
“Tomo cedo e depois do almoço. Com certeza, fico acelerado”, diz o maranhense Francisco Alves Pereira, 60 anos, dono de uma propriedade às margens do Rio Urupadi, premiada pelo Programa de Excelência do Guaraná (Pegá), da Ambev. Seu Chico não para quieto e se orgulha de mostrar o couro de uma jiboia e a pele de uma onça abatidas pela família. “Pra viver aqui tem de ter energia”.

Fonte: Jornal de Londrina